terça-feira, abril 24, 2007

Um Encontro Esporádico

Como o suposto, durante o funeral muitas lágrimas foram derramadas e muitos gemidos foram lançados. No meio de quase uma centena de pessoas, destacam-se os familiares e amigos mais chegados de Rafael. Em primeiro plano, consegue-se observar Nelson na companhia do senhor Osvaldo e da dona Antónia. Logo atrás encontravam-se Ana, Ricardo, Pedro, Tiago, Raquel e os demais amigos. Um pouco mais deslocados, os vizinhos e outros habitantes de Viseu, incluindo os pais de Nelson, que vieram prestar a última homenagem a Rafael.
No final, enquanto se preparava para ir embora, Nelson foi surpreendido por Tiago, que manifestou interesse em falar com ele.
- Disseram-me que eras o namorado do Rafael...
- Sim, era. – Respondeu Nelson ainda a libertar algumas lágrimas. – E tu és...?
- Desculpa, não me apresentei. Sou o Tiago. Conhecia o Rafael.
- Ah... – interrompeu Nelson meio desinteressado. – Chamo-me Nelson.
- Prazer. – Tiago calou-se por instantes. - Sei que não é boa altura para ter qualquer tipo de conversas, mas... – Tiago engasga-se. – Mas queria que soubesses que ele foi uma pessoa que marcou a minha vida, mesmo só tendo falado com ele durante uma tarde.
- Estou a ver... – Retorquiu Nelson – E posso saber em que medida é que ele foi muito importante para ti?
- Sabes, eu era daquele tipo de homossexual que não se assumia. Não olhava para rapazes porque tinha vergonha de ser assim. Sentia raiva e repugnação de mim mesmo... – Tiago fez uma pausa. – Como disse, só passei uma tarde com ele e com a Inês lá no Algarve. Não falámos muito sobre a homossexualidade, tirando um tópico ou outro, mas... – Tiago pensou no que haveria de dizer. – Mas a sua forma de estar na vida e o facto de parecer confortável com a sua sexualidade fez-me ver que nem tudo é mau. Fez-me ver que a homossexualidade não é doença, não é algo que se possa contrariar: é algo que existe e pronto, não é tão complicado como aparenta ser.
- Fico feliz por saber que alguém, para além de mim e dos seus pais, não se vai esquecer dele. – Disse Nelson à medida que esboçou um breve sorriso. – Olha, ... – interrompeu – Como disseste que te chamavas?
- Tiago... – Respondeu.
- Olha, Tiago... Lamento, mas por agora não consigo terminar esta conversa. Vais ficar por Viseu durante mais quanto tempo? Podias dar-me o teu contacto e daqui a dois ou três dias entro em contacto contigo. Assim, explicas-me melhor a forma como o Rafael te marcou... Pode ser?
- Claro, com certeza. Fico por cá, pelo menos, mais duas semanas. Depois vou-me embora, por causa das aulas...
Nelson e Tiago trocaram os contactos. Nelson pediu desculpa pela indisposição para conversas e prometeu um café poucos dias depois daquele dia. Despediram-se e foram-se embora.

terça-feira, fevereiro 20, 2007

Más notícias (parte 4)

Amanhece e Tiago acorda. Por causa do tio da Inês, o Pedro e o Tiago tiveram que dormir em quartos separados. Antes dele sair da cama Pedro entra.
- Sairam todos. Estamos sozinhos e vim dar-te os bons dias. – Sorri e mete-se debaixo dos lençóis. Abraça Tiago.
Tiago sente-se pouco à vontade.
- Mas, podem voltar a qualquer momento.
- Nem por isso. Foram todos ao mercado. Só devem chegar por volta das onze. Temos três horas só para nós. Além disso, a minha tia Eugénia deve estar a arranjar forma de manter o meu tio ocupado.
- E a Inês? – Pergunta Tiago.
- Não tenho a certeza, mas acho que ela foi falar com o namorado do Rafael. Talvez foi avisar que tu vais ao funeral. – Pedro chega-se mais perto de Tiago e coloca-se por cima dele, apoiando-se com os braços. – Agora. Como é que vamos ocupar estas três horas?
Pedro sorri e dá-lhe um beijo na boca.

Más notícias (parte 3)

Tiago repara que afinal Inês e a tia dela já estavam à sua espera. Saem do terminal, em direcção a elas. Inês sorri.
- Chegaste finalmente. – Depois repara no Pedro. – Ah, bom. Também vieste.
Pedro sorri. Pousa as malas e abraça Inês. Depois aproxima-se da tia e dá-lhe dois beijos.
- Olá tia!
Esta sorri-lhe.
- Tudo bem Pedro? – Pergunta. Depois dá-lhe uma palmada no peito. – Seu desnaturado! Não dás notícias. Tenho que saber notícias tuas das bocas dos outros.
A tia dele recua e olha-o de cima a baixo.
- Bolas rapaz! O que te têm dado de comer? Estás uma torre. Por este andar acabas por bater com a cabeça nos candeeiros de casa.
Depois aproxima-se de Tiago e dá-lhe dois beijos.
- Tudo bem contigo Tiago?
- Sim. – Responde timidamente.
- A Inês já me contou tudo. Eu sei que vocês os dois, bem, são íntimos. – Pisca-lhe o olho.
Tiago sorri timidamente.
- O Tiago vinha pelo caminho a pensar que iria causar impressão, tia. – Diz Pedro.
Ela ri-se.
- Ó rapaz. Estou velha demais para me preocupar com essas coisas. Confesso que não percebo muito do assunto. Mas não vou deixar de falar convosco por causa disso. Mas deixemos de conversas. Ainda nos congelamos por aqui. Vamos andando.

Más notícias (parte 2)

Chegando ao fim da viagem, no terminal de autocarros, Pedro acorda Tiago e saem os dois. Está mais frio e vento, e Pedro tira o seu casaco e dá-o a Tiago, que acaba por vesti-lo. Sentam-se no banco enquanto esperam que Inês chegue.
- Então... Este tal de Rafael era um grande amigo teu, certo?
- Por acaso era um grande amigo da Inês. Só o conheci num verão e nunca mais falámos.
- Então, porque vais ao funeral dele?
- Porque ele foi a pessoa que fez mais por mim ao longo destes anos. Porque ele ajudou-me a assumir para mim mesmo, mesmo que essa não tenha sido a intenção dele. Porque foi mais amigo que muitos dos meus amigos da altura.
- Engraçado. – Diz Pedro coçando a cabeça.
- O que é engraçado?
- A forma como a interacção das pessoas nos vai moldando. Com tantos amigos que tiveste na altura e a pessoa que mais te ajudou foi um estranho completo. E, por causa disso, tornou-se numa das pessoas mais importantes da tua vida. E tu nem sabes nada da vida dele...
- É verdade. O Rafael foi como um anjo da guarda. Segurou-me quando eu estava prestes a cair. Todos os meus amigos já tinham tentado de tudo para me ajudar, acredita. A Inês então... Só faltava ela dar a vida por mim. – Tiago faz uma pausa e sorri. – Quem diria que tudo o que eu precisava era conhecer alguém? Uma coisa tão simples quanto isso...

Más notícias (parte 1)

Faz frio e vento. O que é bastante estranho para um Verão. Tiago senta-se no banco da estação do Barreiro, com uma mala de viagem enquanto espera pela chegada do comboio com destino a Lisboa. Sente um arrepio na espinha e depressa se arrepende de não ter trazido um casaco mais quente. O tempo parece já anunciar a chegada do Outono com o vento a uivar por entre as colunas com um hálito a mentol. Chovem-lhe memórias de tudo e mais alguma coisa enquanto o Sol se esconde por detrás dos prédios no horizonte. Lembra-se de quando foi passar uns dias com a Inês no Algarve e conheceu o Rafael pela primeira vez. Ri-se para si mesmo porque lembra-se das figuras parvas que fez quando conheceu Rafael.

Tiago, trapalhão como já era de costume, tropeçava nas palavras e trocava-as de ordem devido ao nervosismo. Inês havia-lhe contado que Rafael era homossexual e Tiago, com medo de que fosse topado, fazia de tudo para disfarçar. Tudo sem sucesso porque a Inês, na sua ingenuidade, já tinha contado ao Rafael que Tiago era gay. E então, houve ali um momento estranho porque Tiago não sabia o que havia de fazer. Nunca tinha conhecido um homossexual na sua vida – bem, pelo menos não pessoalmente. Mas correu tudo bem... Rafael fora extremamente simpático para ele.

Tiago encolhe-se quando se levanta uma rajada de vento.
- Devia de ter ido com a Inês. – Pensa.
Abre a mala e saca do leitor de Mp3 para ver se se distrai um bocado do frio. Falta ainda meia hora para o comboio chegar. O movimento na estação é quase nulo, o que aumenta ainda a insegurança de Tiago. Começa a pensar no que o poderá esperar à chegada. Como irá a tia da Inês o receber? A Inês já lhe havia contado de certeza, para evitar que os boatos de que Tiago namorava com ela se espalhassem mais. Pôs a música a tocar para esquecer as suas inseguranças. Aos poucos vai-se distraindo. Saca de um cigarro quando sente uma mão a tocar-lhe o ombro. Vira-se e tira os auscultadores dos ouvidos.
- Eu já te disse que fumar faz mal. Devias de deixar. – Diz Pedro sorrindo.
Tiago faz um esforço para não saltar aos braços de Pedro, mas Pedro já se havia antecipado e dá-lhe um abraço.
- O que fazes aqui? – Pergunta Tiago.
- Achas que eu iria te deixar sozinho num momento destes? – Responde-lhe Pedro enquanto se senta no banco.
Tiago sorri e senta-se.
- Obrigado por teres vindo.
E ficam à espera que o comboio chegue.
O comboio chega finalmente e os dois entram. Assim que desembarcam em Lisboa, entram de imediato para o autocarro que os levará até Viseu. A viagem apresenta-se ainda longa, vai levar mais de duas horas para chegarem ao seu destino. Chegam só à meia-noite. Por isso, Tiago aproveita para descansar, encostando-se a Pedro. Adormece.