sexta-feira, agosto 25, 2006

Fins de Verão (Parte 3)

Tiago vai contando a sua tarde. Como foi surpreendido e deixou escapar as folhas. Como teve uma longa conversa com Pedro e, ao fim da tarde, como ficaram em silêncio a apreciar o pôr-do-sol. Rita, completamente atordoada, ouve atentamente. Tiago conta quase que todos os pormenores. Como eles ficaram a olhar um para o outro, como se encostaram um ao outro no banco e o beijo que Pedro lhe deu. Rita dá o pulo.
- Foda-se! Vocês já se beijaram? Não achas isso um bocado cedo?
- Ele é que me beijou. - diz Tiago. - E foi por reacção ao momento. Estávamos a olhar muito um para o outro e ele beijou-me. Eu fiquei ali, parado sem saber o que fazer. Foi só isso. Ele depois pediu desculpa. Não conseguiu resistir.
- Hum... - e ela arrota e segura o estômago.
Tiago fica uns segundos a olhar para ela.
- Ouve lá, Rita. Tu estás mesmo bem?
Rita solta o sorriso mais sarcástico que consegue e solta-lhe um olhar maligno.
- Deixa-me pintar-te uma imagem. - franze as sobrancelhas. - Tenho a sensação que me enfiaram uma placa metálica na minha nuca e os meus olhos parecem que vão saltar das suas órbitas. A minha boca está tão seca que a minha língua parece mais uma lixa que outra coisa. Tenho a sensação que os meus dentes estão atados por um elástico que os vai apertando. Os barulhos mais baixos parecem tambores dentro da minha cabeça e a luz de uma vela parece um holofote. Tenho a sensação que as minhas mamas estão pelo umbigo e o meu estômago está a jogar a batalha naval. E, para completar o fantástico cenário, tenho a sensação qeu o meu cú é do tamanho de um elefante e que o vou arrastando pela casa fora. Fora isso, queriducho, estou óptima.
Tiago fica calado.
- Mas conta lá. - continua ela. - Vocês vão voltar a ver-se, presumo. Alguma coisa planeada?
- Vamos jantar e ao cinema amanhã.
Rita solta um sorriso tímido.
- O que sabes dele? Idade? Onde trabalha, se trabalha, se estuda, se tem cadastro criminal, um passado secreto, um namorado em Espanha, um contacto com traficantes de dro...
- Rita!
Ela ri-se.
- Relaxa boneco! Estou a reinar. Mas, que sabes dele?
- Ele tem 26 anos e acabou o curso de Comunicação. Agora é dono de um bar em... já não me lembro. É calmo, inteligente e muito simpático...
- Hum... Só love! - ela sorri. - Mas vai com calminha, rapaz. Ele é muito mais velho que tu, tem mais experiência. Se vocês decidirem ir com isso para a frente... Não quero que saias magoado.
E arrota. Segura o estômago.
- Foda-se! Merda para isto. Maldito período. Foda-se! Olha, Tiago. O Carlos fez o jantar. Está no forno. Vai lá comer. Eu vou me deitar antes que morra.
E levanta-se. Arrasta o seu corpo pelo quarto fora, parando à porta.
- Tiago. Fiquei feliz por ti, sério. Mas vai com calma.
Tiago sorri. Ela sai enquanto ele se estica sobre a cama e fica a olhar para o tecto branco. Amanhã terá um dia em cheio...


:-*
Arms

quinta-feira, agosto 24, 2006

Já no Algarve...

Rafael tinha chegado ao Algarve já fazia dois dias e ainda não tinha contactado nenhum dos seus amigos.
Calma e despreocupadamente, Rafael passeava-se pela rua principal do Alvor. De repente Rafael começa a reconhecer a silhueta de uma pessoa. Observa com mais atenção, na tentativa de reconhecer a dona daquela silhueta. Segundos depois percebe que se trata de Raquel. Assim sendo, aproximou-se...
- Olá! – disse ele com entusiasmo.
Raquel virou-se para ver que lhe tinha abordado
- Rafael? Por aqui? Já estava a estranhar não vires cá este ano! Como estás, rapaz?
- Contrariado, mas bem. E tu, boneca, como estás?
- Cá estou, como bem vês. Mas então, estás contrariado porquê?
- Porque queria estar com o meu namorado e os meus pais obrigaram-me a vir para aqui... Mas o pior é que o Nelson, o meu namorado, esté receoso que eu volte a envolver-me com o Bruno...
- Com o Bruno? Contaste-lhe? – perguntou ela espantada
- Sim, contei...
- Na íntegra ou parcialmente?
- Tudo mesmo... Bem, apetece-me um café. Acompanhas-me?
- Claro, com certeza, gajo! Aproveitas e contas-me a história do Bruno ao pormenor, porque nunca cheguei a perceber esta história toda... Pode ser?
- Pode sim. – Rafael olha em redor à procura de um café – Vamos àquele?
- ‘Bora!
Rafael e Raquel dirigiram-se ao café mais próximo. Pediram um café e foram-se sentar na esplanada.
- Então... conta-me lá o que se passou em concreto com o Bruno e agora com o... como se chama ele?
- Nelson. Bem, então foi assim... Apresentaram-me o Bruno há três anos atrás. Nos primeiros tempos, falávamos ocasionalmente e depois fomos falando todos os dias... Caí na asneira de me apaixonar por ele, mesmo sabendo que ele tinha namorado. Entretanto, após uns meses a guardar aquilo para mim, acabei por lhe contar. Dois ou três meses mais tarde, fui a Lisboa ter com ele. Fui passar uns dias a casa dele e do namorado. Nada de mais, até porque ia mesmo numa de amizadee não mais que isso. Acontece que o jovem foi-me seduzindo, provocando... Ao fim do terceiro dia não resisti e deitei-me com ele. Não era para ter acontecido, mas aconteceu. Ele mudava de postura assim que estávamos acompanhados, quer fosse pelo namorado ou pela Inês. Simplesmente era como se não fosse o Bruno que eu conhecia.
- E depois...? – Inquiriu Raquel.
- Depois... olha! Aconteceu mais duas vezes.
- O namorado soube?
- Soube. Abri o jogo com ele, já depois de terem terminado a relação. Mas ele já sabia e não me recriminou por isso... Menos mal. Ainda hoje falo muito com ele. É bom rapaz.
- E com o Bruno como foram as coisas?
- Com este.... bem... Não foram assim tão bem sucedidas. Quer dizer... desde à pouco tempo. Mas adiante. Por azar, naquele ano, ele tinha que se mudar justamente para aqui. Eu, parvo, sempre que podia escapava para aqui para estar com ele. Tudo em nome do amor. E sabia que, para ele, eu não passava de um divertimento. É isso que me magoa mais, sabes? É eu saber isso e mesmo assim continuar a vir ter com ele. Enfim... o amor!
- Mas, oh gajo, já deste o caso como encerrado, não deste?
- Já. Tinha de ser. Fartei-me de ser uma marioneta nas mãos dele. No final do Verão passado prometi a mim mesmo que não voltaria acontecer... Depois, em Outubro, conheci o Nelson, o meu actual namorado.
- Estou a ver... a história do Bruno é tramada. Mas vá! Fala-me lá do Nelson!
- A única coisa que te posso dizer é que me saiu a sorte grande, sabes? Parece que fomos mesmo feitos um para o outro.
- Ai... – Suspira Raquel – Só a mim é que não me aparece rapazes assim...
- Tem calma, vais ter o teu momento, não te preocupes.
- Espero que não demore muito a chegar. – continuou – Já agora... quem é a Inês de quem falaste?
- A Inês? É uma amiga do Bruno e do namorado. Aliás, ex-namorado. Uma rapariga muito meiguinha, sabes? Curioso... é que olhas para ela e pensas "esta rapariga deve ser muito meiga", e depois vês que é mesmo meiga.
- Hmmmmm – Retorquiu Raquel – estou a ver... O Nelson vem cá ter cont...
Os dois amigos são interrompidos pelo telemóvel dela. Após uns "Hum-Hum", "O.K." e "Está bem", Raquel anuncia que a conversa tem de ficar para outro dia, porque tinha de se ir embora. Rafael e Raquel despedem-se e cada um vai à sua vida.

Hugz & Kisses,
Nobody's Bitcho

quarta-feira, agosto 23, 2006

Fins de Verão (parte 2)

Tiago fica ali, parado, a olhar para Pedro. O seu coração dispara como uma locomotiva e começa a tremer. Treme tanto que deixa escapar as folhas quando se levanta uma brisa fresca. Pedro atira-se a apanhar as folhas juntamente com Tiago. Este, acocorado, tenta apanhar o que puder, mas tudo se lhe escapa. Aos poucos, conforme vai recolhendo, Pedro aproxima-se de Tiago e segura-lhe o braço. Este gela de repente.
- Não precisas de ficar assim tão nervoso. – diz baixinho.
Tiago olha para Pedro. Ficam assim, de cócoras, a olhar um para o outro. Tiago repara então nos olhos verdes de Pedro, brilhantes como água. Mas, na realidade, nem são totalmente verdes. Na orla dos olhos dele surge um leve tom azulado, uma cor meio turquesa, como se tratasse da água do mar das praias tropicais. E, junto à menina dos olhos, Tiago consegue ver uns raios acastanhados, lembrando-lhe girassóis. Não são tons que saltam à primeira vista, é preciso um olhar atento. Perde-se nos seus olhos. Sente-se a submergir nos reflexos cristalinos do olhar dele, a perder a sua consciência e, de certa forma, a fundir com as águas límpidas do olhar de Pedro.
- Hum... To... Toma. – gagueja Pedro enquanto estende a mão que segura as folhas. Pedro perde-se também no olhar de Tiago, castanhos, claros como mel. Repara que Tiago também tem uns laivos de verde na orla dos seus olhos. Parecem dois caramelos redondos, semitransparentes, com laivos de verde, amarelo, cobre e o tom de ferrugem. Mas, quase sem brilho, tristes.
- O... Obrigado. – e recebe as folhas. Mas Pedro agarra-o na mão e dá-lhe um beijo. A única coisa que Tiago tem tempo de fazer é arregalar muito os olhos. É apanhado de surpresa.
- Desculpa! Não consegui resistir. – diz Pedro quando se apercebe do que acabou de fazer.
Levanta-se e ajuda Tiago a levantar. E sentam-se os dois no banco a conversar enquanto o sol vai caindo aos poucos e poucos e o céu explode-se de vermelho, amarelo, laranja e salmão. Seriam capazes de ficar ali horas, ou dias até. Passado uns momentos, Tiago chega-se ao pé de Pedro. E assim ficam, a conversar muito juntos, num final de tarde.

***

Tiago mete a chave na porta de casa mas ela abre-se entretanto. Carlos está de saída, com a sua cara habitual, muito sorridente.
- Tiago. Vê se não faças muito barulho! A Rita está mal disposta. – e dá-lhe umas palmadinhas no ombro.
Tiago entra em casa a cantar, baixinho. Entra no quarto e começa a arrumar umas coisas e a colocá-los no seu devido lugar. A Rita bate à porta.
- Entra Rita. – diz Tiago.
Depois vira-se todo contente para dar a novidade e apanha um susto. A Rita está mesmo ali, a uns escassos centímetros dele, com o olhar mais papudo e sonolento que ele alguma vez havia visto. Os seus olhos parece que encolheram para o tamanho de ervilhas. O cabelo da Rita está completamente despenteado, em nós que nunca mais acabam.
- Foda-se Rita! – diz quando se endireita. – O que é que tu tens? Apanhaste alguma constipação?
- Achas fofura? – diz ela, rodando muito lentamente até à cama de Tiago. Senta-se. – Estou com a merda do período. Mas, conta lá... Como foi a conversa com o Pedro?
- Como é que soubeste que estive a falar com ele? – diz, sentando ao lado dela.
- Passei hoje pelo parque e vi-vos de cócoras a apanhar as tuas folhas.


(Continua...)
Abraços
Arms

terça-feira, agosto 22, 2006

Don't... [Parte 4]

- Estavamos em Julho, num sábado. Lembro-me perfeitamente... Entrei em pânico ao saber que o Rafael ia para o Algarve. Não dormi nada naquela noite, sabes? Dei umas voltas de carro, para desanuviar, mas não serviu de nada. Parecia perdido.... Quando me apercebi, estava estacionado na mesma falésia onde ele abriu o jogo comigo e disse que me amava pela primeira vez. Comecei a chorar como uma criança a quem foi retirado o seu brinquedo favorito. Fiquei lá até o sol nascer. Encontrei-me com ele em sua casa, e aquilo foi... sei lá!... esquesito! Mal conversámos, entendes? Depois andei feito louco a preparar a tralha toda para ir com ele para o Algarve. Quer dizer, era para ser surpresa: ele a sair do autocarro e dar de caras comigo... e olha, saíu-me o tiro pela colatra. O cansaço venceu-me e... puff!... o carro despistou-se. Agora estou eu aqui com um braço partido e alguns arranhões, sem poder conduzir, sem poder trabalhar, sem poder ir ter com ele e... e...
- E o quê, Nelson? – perguntou Ricardo com um tom sereno.
- E ele pode... – Nelson deixa correr uma lágrima – e ele pode ter voltado a cair na lábia do outro, do Bruno...
- Tem calma, rapaz. – Ricardo fez uma pausa – O Bruno é o tal rapaz que, ao saber que o Rafael gostava dele, usou-o durante muito tempo... certo?
- Sim, é...
- Eu não queria que ele fosse... Tenho medo, Ricardo.
Abraçaram-se.


* * *

Ricardo era o melhor amigo de Nelson. Conheciam-se há 5 anos e tornaram-se inseparáveis desde o momento em que se conheceram. Como Nelson costumava dizer, Ricardo era a sua alma gémea; não precisavam de falar para perceberem o que o outro estava a sentir, bastava um olhar. Nelson e Ricardo eram os irmãos que ambos nunca tiveram.



Hugz & Kisses,
Nobody's Bitcho

segunda-feira, agosto 21, 2006

Fins de Verão

Dias passam depois do único encontro com o Pedro. Se é que aquilo se poderia chamar de encontro. Aos poucos e poucos Tiago vai esquecendo e prosseguindo com a sua vida. Chega o dia das matrículas e o dia de conhecer a universidade. Tiago inscreve-se e parte rumo ao parque, que fica perto de sua casa. Com o bloco debaixo dos braços, Tiago vai descobrindo os caminhos e travessias da cidade. Descobre o parque e senta-se num banco perto de um lago. Saca do bloco e do lápis e vai desenhando, tentando se abstrair da realidade. Envolve-se aos poucos a desenhar as árvores, o lago e as pessoas que se deitam a apreciar o sol. Fica tão envolvido com o seu trabalho que não repara no vulto que se aproxima.
- Ah, muito bem! Temos artista. – diz o vulto com uma voz familiarmente rouca.
Tiago levanta a cabeça e olha para ele. Pedro. Este sorri-lhe.
- Afinal ainda estás vivo. Pareceu-me reconhecer-te. Posso sentar?
Tiago apenas sorri.
(continua...)


Arms

domingo, agosto 20, 2006

Don't... [Parte 3]

Nelson e Rafael passaram o resto da manhã a preparar as malas dele. O ambiente entre os dois amantes estava carregado. Em ambos notava-se uma certa nostalgia e também mágoa pelo que o destino lhes reservava num futuro muito próximo: a separação. Mais tarde almoçaram, igualmente sem grandes conversas, e por fim cada um seguiu o seu rumo. Entretanto, Rafael enviou uma mensagem a Nelson.

Não te preocupes connosco. Não vai acontecer nada. Ele nem vai sonhar que estou lá. Amo-te muito.

Nelson foi para casa. Estava exausto e desesperado. Não queria separar-se do seu amor, mas tudo parecia estar contra ele. Mesmo que fosse com Rafael para o Algarve, sabia perfeitamente que o seu namorado seria altamente controlado pelos pais, e ainda havia a possibilidade de se encontrar com Bruno e não resistir... Ainda assim, Nelson sentia que tinha de arriscar.
Preparou as suas coisas à pressa, dirigiu-se à caixinha escondida no fundo do guarda-roupa e retirou todo o dinheiro que guardara para alguma emergência, saiu de casa e foi ao banco. Tranferiu parte do dinheiro que poupara para a faculdade da conta poupança para a conta corrente, onde também depositou o dinheiro que levava consigo. Atestou o depósito do carro e voltou a casa. Sentou-se em frente ao computador e foi pesquisar os horários dos autocarros. Por sorte, naquela noite só havia um autocarro, tornando-se mais fácil para Nelson seguir o rasto de Rafael. Estava prevista uma mudança de autocarro em Sete Rios (Lisboa), à 01h da madrugada.

[Continua...]

Hugs & Kisses,
Nobody's Bitcho

sábado, agosto 19, 2006

Arrepios

Tiago fica hipnotizado a olhar enquanto o rapaz se dirige para o balcão. Ele é alto, de cabelos pretos e de porte atlético e apresenta-se bem vestido. Veste de ganga e com uma t-shirt branca, justa ao corpo, com uma lista preta. Mas desvia o olhar quando se apercebe, esperando que ninguém tenha dado conta. Tarde demais. Rita já havia virado a cabeça para ver quem é. Vira-se para Tiago.
- Foda-se, tens bom gosto rapaz! – sorri.
Tiago cora, mas não resiste em olhar para o rapaz de vez em quando.
- Que borracho! – diz Rita. – Namoras?
- Não. – responde Tiago surpreendido pela naturalidade da rapariga em relação ao assunto.
- Imagino. Foda-se. Se é complicado para nós arranjarmos alguém, imagino vocês. – e debruça-se sobre a mesa como se fosse contar um segredo. – És mesmo gay ou és bi?
Tiago sorri.
- Mesmo gay.
Rita endireita-se.
- Ah, mas isso é fantástico. Foda-se. Imagina eu a andar pela casa e ver três gajos deliciosos a passearem-me pela sala. Sou uma sortuda do caralho!
E ri-se. Depois fica muito séria.
- Os teus pais sabem de ti?
- Não. – diz baixando a cabeça.
- E a tua irmã? Ela sabe?
- Sabe. – e dá mais uma trinca na sandes mista.
Rita sorri.
- Pelo que consegui perceber, ela está à vontade com isso. – pisca-lhe o olho.
Tiago solta um sorriso tímido. A verdade é que ele ainda está surpreendido pelo facto de Rita se sentir perfeitamente à vontade. Nunca lhe tinha acontecido algo semelhante.
- A minha irmã... – diz finalmente. – Ela adorou a ideia toda.
- ‘Tás a gozar!? – diz com os olhos completamente esbugalhados. – Foda-se. A sério?
- Sim. Disse-me que sempre quis ter um cunhado e que, assim, seria muito mais fácil.
Rita solta uma gargalhada sonante, o que desperta a curiosidade do rapaz. Ele olha no exacto momento em que Tiago lhe fixa o olhar. E é neste momento que Tiago se apercebe que o rapaz tem os olhos verdes rasgados, denunciando uma ascendência asiática. E ficam os dois, a olhar fixamente um para o outro, durante uns segundos. Por momentos o mundo funde-se numa mancha, numa amálgama de cores sem formas. E o rapaz sorri. Tiago fica perplexo e corta o olhar.
- Tiago. – diz Rita. – Vou à casinha das meninas e já volto. Mas vê lá. – diz, piscando o olho. – Não fujas com o gajo e me deixes aqui sozinha.
Tiago só consegue soltar um tímido sorriso de tão chocado que está com o que acaba de acontecer.
Rita levanta-se, deixando Tiago a terminar a sandes. Este, terminando o pequeno-almoço, acende um cigarro sem reparar que o rapaz se havia aproximado da mesa.
- Não devias de acender o cigarro assim de repente. – diz ele com uma voz levemente rouca.
Tiago congela.
- Posso te cravar um cigarro?
Tiago olha para ele mas não consegue responder. Agarra no maço e retira um dos quatro cigarros lá de dentro. Passa-o ao rapaz, que o agarra encostando o dedo indicador às costas da mão de Tiago. Este sente um arrepio na espinha. O rapaz sorri.
- Obrigado. E, já agora, podias-me dar lume? Não fumo há algum tempo e, como deves imaginar, não tenho isqueiro.
Tiago agarra no isqueiro e estende o braço em direcção ao rapaz. Este levanta o olhar em direcção aos olhos de Tiago e sorri.
- Quero que sejas tu a acender-me o cigarro.
Tiago nem acredita no que está a ouvir. Tudo isto parece surreal, um sonho. Acende o isqueiro e estica o braço para que o rapaz posso acender o cigarro. O rapaz agarra na mão de Tiago e olha-o de novo. Acende o cigarro. É nesta fracção de segundo que Tiago sente um formigueiro pelo corpo todo. Fica sem reacção nenhuma.
- Obrigado. Como é que te chamas? – pergunta o rapaz soltando-lhe a mão.
- T... Tiago! – responde, tentando evitar o olhar. Cora.
O rapaz sorri.
- Pedro. – pisca-lhe o olho. – Obrigado pelo cigarro, Tiago. És um amor! Vemo-nos por aí. – e parte.
Tiago fica estupefacto a olhar para a porta, sem reacção. Terá imaginado tudo? Rita volta e senta-se e chama-o, mas ele não responde. Então ela bate as mãos à frente dos olhos de Tiago, despertando-o.
- Ei... ! Tiago, acorda. Andas a dormir ou quê? – olha em volta. – Oh que pena! O borrachito foi-se embora. E nem metemos conversa. Foda-se.
Tiago sorri.
- Chama-se Pedro.
(continua...)
Abraços
Arms

sexta-feira, agosto 18, 2006

Don't... [Parte 2]

- Tens mesmo de ir?
- Tenho. Os meus pais querem-me lá o mais depressa possível.
- Porquê? O que se passou?
- Não sei bem... acho que a vizinha de baixo contou-lhes coisas sobre mim... Pelo menos foi o que me pareceu.
- A tua vizinha? – perguntou Nelson espantado. – A que propósito?
- Antes de irem para o Algarve, os meus pais pediram encarecidamente que a senhora fizesse o favor de estar atenta a todos os meus movimentos e para lhes avisar, caso se passasse algo de suspeito...
- Suspeito?
- Sim... Pelo que me foi possível apurar, a senhora em questão contou que eu trazia gente para casa e também que havia noites em que nem sequer vinha dormir... Por isso querem que vá para o Alvor, ao encontro deles.
- Só isso?
- Já é suficiente, não concordas?
Fez-se silêncio. Nelson ficou a observá-lo durante breves instantes.
- Referia-me ao Bruno...
- Ao Bruno? – Inquiriu Rafael confuso. – Como assim?
- De certeza que é só iss? Os teus pais que te estão a chamar? Isto é, já me contaste o teu passado com ele. Ambos sabemos que esta história tem anos e que sempre que vais lá, nunca lhe resistes... O resto da história tu já a sabes.
- Sim, sei que te deixei ao corrente do assunto. Mas... Queres insinuar o quê concretamente?
- Nada. Só quero saber se te vais embora só porque os teus pais te estão a obrigar ou se também queres testar até que ponto é que me amas, para lhe resistires...
- Garanto que é por causa dos meus pais. Eles ameaçaram cortar com a mesada e se os factos fossem mais graves do que o que lhes contaram, eu teria de ir trabalhar para conseguir pagar o primeiro ano de faculdade. Por isso é que vou partir assim.
- Tens a certeza disso?
- Tenho toda a certeza do mundo.
Fez-se silêncio novamente. Ficaram a olhar-se por muito tempo até que Nelson quebrou o silêncio:
- Não quero que vás... – disse com tristeza.
- Nem eu quero ir... Mas tem de ser, paixão. Quero ficar aqui contigo. Aproveitar o resto das férias na tua companhia. Aliás... Estava a planear passar o fim de semana contigo no Gerês.
- Vais no teu carro?
- Não. Vou deixá-lo na garagem. Prefiro ir de autocarro. É menos dispendioso.
- E vais quando?
- Hoje à noite, no último autocarro para Lagos. Depois apanho um táxi até ao Alvor.


[Continua...]


Hugs & Kisses,
Nobody's Bitcho

quinta-feira, agosto 17, 2006

Bitch

Amanhece mais uma vez e os raios irrompem pelas frestas dos estores do novo quarto de Tiago, dando ao espaço um tom dourado-caramelo, acolhedor. Tiago dorme calmamente sobre o colchão, colocado ao centro do quarto, no meio das caixas e dos móveis. Tudo está calmo até...
Tiago acorda sobressaltado ao som da música Bitch, da cantora Meredith Brooks, que toca aos altos berros vindo da sala. Leva uns segundos para se localizar.
- Que...? - diz numa voz roucamente sonolenta. - Ah, pois! A Rita... - diz a seguir e aterra a cabeça na almofada.
Levanta-se cambaleando e veste uns jeans e uma t-shirt branca e sai do quarto aos esses, mas estagna-se na porta perante o espectáculo que se lhe apresenta. Na sala, Rita dança e canta enquanto limpa o pó da televisão.
- I'm a bitch, I'm a lover. I'm a child, I'm a mother. I'm a sinner, I'm a saint. - canta ela esganiçadamente enquanto abana a cabeça como um pombo a correr.
Tiago fica sem reacção, tentando controlar o riso. Fica ali a olhar para ela, de estatura média, mas de porte atlético. Cabelos compridos e castanhos, atados num rabo de cavalo. É quando ela baixa a cabeça e rodopia o rabo de cavalo que Tiago não aguenta mais e solta umas gargalhadas sonantes. Ela pára de cantar e vira a cabeça na direcção dele e fica assim, debruçada para a frente com o braço direito esticado, segurando o pano do pó amarelo. Endireita-se de repente.
- Foda-se! - diz ela de repente e corre até ao comando para desligar a aparelhagem. - Epá, merda! Desculpa. Pensei que estava sozinha em casa. - Ri-se. - Merda! Que vergonha! - e pousa o pano do pó no móvel da televisão.
Rita aproxima-se dele rapidamente, com os seus típicos passos rápidos e dá-lhe um abraço. Tiago fica sem reacção por ter sido apanhado de surpresa. Ela afasta-se um pouco.
- Tu deves ser o Tiago. Eu sou a Rita, a namorada do Carlos. Ele falou-me de ti ontem. Que te tinha recebido em casa, mas eu pensava que já tinhas saído.
Ela cala-se por uns segundos e sorri.
- Ele não me disse que és giro.
Pisca-lhe o olho. Tiago cora.
- Olha. - diz ela enquanto solta o cabelo. - Estou a pensar ir à pastelaria ali do fundo da rua tomar o pequeno-almoço. Queres vir? Sempre nos conhecemos melhor.
Pisca-lhe o olho.
- Que achas?
E, antes que ele consiga responder, diz.
- Vamos.


***
A pastelaria aparenta ser relativamente pequena do lado de fora, embora se apresente bastante acolhedora. Mas é quando eles entram que Tiago repara que a pastelaria tem uma cave aberta ao público.
Rita, com toda a sua energia característica, cumprimenta os empregados todos com dois beijos e depois dirige-se a um senhor de certa idade. Parece ser o dono do espaço. Fala com ele durante uns segundos e depois chama por Tiago e apresenta-o.
- Sr. Alberto, este meu amigo é o Tiago. O meu novo colega de apartamento.
Eles apertam as mãos.
- Mas veja lá, homem. - diz ela, dirigindo-se ao dono - É para o tratar bem. Viu?
E pisca o olho ao Sr. Alberto. Este ri-se numa gargalhada explosiva.
- Ó menina Rita, você não tem emenda. - sorri. - Se você não existisse, teriam que a inventar. Mas, vá. Sentem-se, sentem-se. Vou chamar alguém para os servir.
Sentam-se num canto e são logo atendidos.
- Então. Diz-me... O Carlos disse-me que vieste com a tua irmã ontem, quando ele vos recebeu... Maria, na'é?
- Marta.
- Isso. O que é que ela faz?
- É secretária numa agência de viagens.
- Hu-hum! E dás-te bem com ela? Tipo, imagino que a vossa diferença de idade deve ser ainda um bocado considerável. Que idade tem ela?
- Vinte e seis. Dou-me bem, sim. Quer dizer... - coça a cabeça. - Às vezes ela age como se fosse a minha mãe. Mas, fora isso, damo-nos bem.
- Foda-se! (Ri-se.) Que amoroso! Quer dizer, eu nunca tive irmãos e adorava ter, mas pronto... Vai-se fazer o quê. A minha mãe já fechou a fábrica e o meu pai meteu os tomates na pré-reforma. - e soltam os dois uma gargalhada. - E tu, que idade tens?
- Tenho dezanove.
- Ah... Mas tu és um bebé. - e pisca-lhe o olho. - Curto-te bué, chavalo! És boa pessoa. Um bocado tímido, mas isso passa.
Chegam as sandes e os sumos. Tiago prepara-se para dar a primeira trincadela quando repara na porta a abrir-se e fica parado. E entra ele...
(continua...)
Abraços
Arms

Don't... [Parte 1]

Ouviu-se um telemóvel a dar sinal de que recebera uma mensagem escrita. Nelson acordou com o barulho e olhou em direcção do relógio-despertador que pousava em cima da mesa-de-cabeceira. Marcava exactamente 04:03:29. Nelson esticou-se, tentando alcançar o telemóvel. Agarrou-o e abriu-o. Deparando-se com a luz emitida pelo visor, esfregou os olhos. Voltou a olhar para o visor, onde se podia ler a indicação sobre o emissor daquela mensagem: Rafael.
- A esta hora? Que quererá ele? – pensou Nelson, enquanto suspirava de impaciência por ter sido acordado.
Nelson abriu a mensagem.

Olá, lindinho! Amanhã vou para o Algarve. Não tenho outra opção. Quero ver-te antes de partir. Amo-te muito. Beijos. P.S. – Desculpa a hora... Amo-te
Nelson ficou surpreso e receoso com a notícia. Sabia o que aquilo significava. Tentou voltar a adormecer, mas não conseguiu. A mensagem fora perturbadora o suficiente para não voltar a dormir. Levantou-se e dirigiu-se à casa-de-banho para lavar a cara e os dentes. Voltou para o quarto, sentou-se em frente ao computador; verificou se tinha algum e-mail novo e se ainda havia alguém online no Messenger. Visto não estar ninguém online, Nelson decidiu ir dar uma volta de carro. Vestiu-se, saiu, entrou no carro e seguiu viagem.

* * *

Nelson olhou para o relógio. Eram 09h17. Ligou para Rafael.
- Bom dia, lindo. Tudo bem? – perguntou Rafael ao atender.
- Olá... Vai-se indo, e tu? Como estás?
- Com receio. Quero ver-te. Quando podes vir cá a casa?
- Quando quiseres...
- Pode ser agora?
- Sim, lindo... Pode.
- Óptimo. Então, até já. Amo-te.
- Amo-te. Até já.
Ao fim de dez minutos, a campainha soou. Rafael abre a porta.
- Olá. Entra.
Nelson entrou e fechou a porta. Cumprimentaram-se com um linguado demorado, já com o seu peso de saudade.


[Continua...]


Hugs & Kisses,
Nobody's Bitcho

[ Nota: Este texto é uma republicação do blog Nobody's Bitcho ]

quarta-feira, agosto 16, 2006

Horizontes

Amanhece mais uma vez sobre a cidade e, mais uma vez, o céu enche com o cheiro de bolos acabados de fazer. O ar enche de um aroma adocicado e quente que abriria o apetite a qualquer um. Tiago acorda para a sua triste realidade. Realidade esse que ele planeia mudar com a sua entrada na faculdade.
Senta-se na cama enquanto ouve os pais a discutirem como sempre e a irmã a correr de um lado para o outro. Há alturas em que pensa que preferiria ter sido adoptado. Hoje não. Hoje as coisas estão diferentes. Hoje é o dia em que vai finalmente sair desta casa e viver sozinho. E sorri. Levanta-se e vê as horas no telemóvel. São dez da manhã. Não há mensagens. Nunca há. Tiago nem sabe porque insiste em ver se tem mensagens no telemóvel se nunca as tem. Lá volta e meia aparece uma ou outra, mas todas do seu operador a dar aquelas notícias chatas de promoções a aproveitar. Fora isso, só eventuais mensagens da sua melhor amiga, nada mais.
Levanta-se e vai tomar um duche e tenta esquecer as discussões aparvalhadas dos pais. Hoje será o último dia em que os terá de aturar semanas a fio. E sorri. O duche está óptimo e Tiago depressa relaxa. Já tem as malas feitas e os seus objectos pessoais arrumados, prontos para a viagem. Sai do banho e vai-se vestir. Não tarda nada é almoço...

Enquanto se veste a Marta entra no quarto e fecha a porta.
- Ouve mano, - diz enquanto se senta. - tens a certeza que não queres contar à mãe?
- Não há nada para contar. - Continua a vestir-se.
- Mas devias de contar-lhe. Ela tem o direito de saber que tu...
- Ela tem o direito de saber quando eu lhe decidir contar. E nem te atrevas a dizer nada.
- Pronto! Já não está quem falou... Mal humorado!
- Ouve Marta, não quero falar mais nisso. Estou muito ocupado hoje. E depois logo vejo isso...
- Tu é que sabes... - e levantando-se. - Ai... o meu maninho vai para a faculdade. 'Tás crescidito e bonitão. Ainda me arranjas lá um cunhado jeitoso... - e abraça Tiago.
- Marta...
- Ah! Ya! E que tenha um irmão bem bom... ou um primo. Ou um amigo assim todo...
- Marta! Podemos ir andando? Quanto mais depressa sair daqui, melhor.
- Vamos. Vamos beber um café que eu estou a precisar do cigarro.

Saem os dois do quarto. Os pais ainda discutem em frente à televisão. Tiago arruma as suas coisas no carro de Marta e, depois de tudo aconchegado, partem. Tiago sente um alívio e uma paz que nunca sentiu antes. Está finalmente livre para ser ele mesmo. Livre e com novos horizontes à espreita...

Jinhos
Arms

terça-feira, agosto 15, 2006

Apetece-te Voar?

Era noite e estavam numa falésia. A noite estava calma, a temperatura amena e o céu estava limpo. Só se viam as estrelas e a lua. A lua estava cheia, brilhava com toda a força que lhe era possível e reflectia no mar alto. Era uma noite perfeita.
Ambos se encontravam deitados no chão, lado a lado, absortos nos seus pensamentos e, ao mesmo tempo, a contemplar o céu estrelado.
- Queres voar?
- Quero...
- Então porque não voas?
- Porque não consigo. Não sem ti...
Rafael levantou a cabeça, pousando-a sobre o braço, e com ar confuso olhou para Nelson.
- Eu amo-te. Ainda não tinhas percebido? Amo-te desde o primeiro segundo em que te vi, quando chegaste atrasado à primeira aula de Biologia. Estavas ensopado da chuva supostamente tímida de Outubro. Trocámos uns olhares também tímidos e sentaste-te ao meu lado, ignorando o chamamento dos teus amigos. Amo-te desde aquele primeiro "olá" que troc...
- Cala-te.
Confuso com o pedido de Rafael, Nelson olhou-o. De repente começou a chover. Ambos fixaram-se no olhar do outro, enquanto os seus lábios se atraíam mutuamente, como se fossem ímans. Por fim, os seus lábios tocaram-se num longo e demorado beijo.
- Voa comigo - pediu Rafael
- Voo... para sempre. Amo-te.

Hugs & Kisses,
Nobody's Bitcho

[ Nota: Este texto é uma republicação do blog Nobody's Bitcho ]

O Início

Olá a todos.

Antes de mais, bem vindos a este espaço. Aqui, encontrarão pedaços de tempo de vidas imaginadas.
Vai ser como brincar com os bonecos da Playmobil e inventar histórias em torno deles. Ligações no tempo e no espaço. Serão momentos com muita, alguma e até mesmo nenhuma intensidade emocional. Serão os episódios mais e menos importantes na vida dos personagens.
O objectivo aqui não é criar mais um blog ou escrever mais umas histórias, mas sim dar asas à imaginação.
Serão momentos relatados e assinados por duas pessoas... Nobody's Bitcho e Arms.


Hugs & Kisses,
Nobody's Bitcho